sexta-feira, 13 de julho de 2012

Os setes samurais





Ação é a situação que nos encontramos sempre. Essa cena do grande Akira Kurosawa e do seu imortal filme (Os Setes Samurais ou talvez "Os Sete Ronin", pois eram samurais sem senhores) é a melhor captura de uma ação e do honroso bom combate que já assisti. Breve momento na qual não há tempo para pensar muito, mas agir, a reflexão, a dúvida, a esperança já ocorreu e não mais importa, é um se entregar a si e a situação.

Às vezes em grande parte estamos no agora, no instante em que não há tempo para o passado, o momento mágico é agir e usar o que temos e o que somos. A cena tem um elemento estético e ontológico de que gosto muito, é uma guerra, uma questão de liberdade de ação, de vida e morte, tudo decidido ali no espaço e no presente.

O arqueiro está posicionado e concentrado em sua tarefa, algumas espadas estão fincadas no chão e querem mostrar ao inimigo que após o esgotamento das flechas sua determinação em lutar não vai ceder , um outro ronin (seu amigo) em um dos flancos abaixo está na ação da defesa e não tem dúvidas sobre o que deve fazer, toda situação se desenrola numa velocidade impressionante, o realismo da cena é brutal, pode-se perceber que a mira e determinação do arqueiro formam um único e indivisível baluarte.

O medo e ansiedade se perdem diante da certeza quanto a única coisa a fazer, o instante absorveu tudo. A foto da cena congela um pulsante e breve instante, mas não extrai a vivacidade do momento, nunca nos pareceria que há ali haja algum momento de contemplação ou dúvida. Gosto de ver essa cena em certas ocasiões, ela me transmite uma sensação de certeza e direção, e ao mesmo tempo, que estamos em muitas cenas da vida e confundimos o pensar com a ação, pensar é de fato um tipo de ação, mas ação que quero dizer é aquela em que corpo e mente formam uma única vontade, em que sentimos que estamos em algo e ir pra frente é a unica coisa a fazer.

Às vezes nos desgastamos muito em fazer reflexões e mais reflexões, para simplesmente não agirmos ou nos arrependermos, temos somente o presente e, é na ação que nossa experiência forja nossa têmpera em vencer obstáculos e superar desafios, não gosto de acreditar que alguém possa ser realizado sem ter provado da experiência da ação, de ter confrontado suas perspectivas sobre o que é certo com o plano da vida onde as coisas ocorrem no aqui e agora. Temos que separar as coisas, tempo de agir e tempo de pensar na ação. Uma vez tomada a direção, faça!


Moscou de Wassily Kandisky



A cidade se entorta, se alonga, refaz suas cores, se funde e se recria impulsionada pela força da sociedade e dos movimentos, daí a noção de espaço produzido, porque a cidade é uma forma de rebelião à natureza. Quando olho essa obra de Wassily Kandinsky (1866 - 1944) essa impressão torna-se mais contundente, esse pintor se interessava pela espiritualidade e pela expressão da essência da arte, por isso está na origem da pintura abstrata. Mas a obra é abstrata em suas formas mas não em conteúdo. A obra "Moscou" é quase toda cor, o centro da obra é carregado de vermelho, é o centro da cidade, onde tudo se junta e se confunde: o passado e o presente; o religioso e o moderno. Ao se afastar do centro, as cores são mais frias e com tonalidade escura, como se a vida pulsante perdesse sua intensidade.  Os traços que delineiam as formas são vigorosas (prédios e monumentos) mas ao mesmo tempo plásticas, essa talvez seja outro aspecto da modernidade que faz sentido hoje ainda, a cidade parece sólida mas na verdade está se desfazendo a todo instante. 

A cidade é tudo simultaneidade, as coisas se distribuem, irradiam-se sob formas e modelos variados, as descrições tracionais da cidade não bastam, pois são momentos, que não dão conta dessa espécie de processo axial/radial, não mais linear, como ainda se vê em cidade pequenas. Esta linearidade espacial persiste em vários lugares, mas cada vez mais desaparece. A cidade de hoje é muito mais permeável as entradas econômicas, culturais e migratórias. A historia não basta como forma de captar o sucedâneo, pois quando isso termina, já existe outra cidade, a história não pode captar a lógica da cidade, nisso Edward Soja em seu livro “geografias pós-modernas” parece estar certo.

A cidade é muito mais labiríntica, muito mais tudo ao mesmo tempo acontecendo e em todos os lugares, cada parcela da cidade não reflete o todo, nem o todo pode-se chegar ao entendimento das partes, na verdade pode-se aproximar, achar uma noção de como é uma possível dinâmica, o cerne impulsionador da vida e metamorfose da cidade ainda é difícil de capturar, vejamos a cidade de São Paulo, será que basta a conjuntura internacional e nacional para explicar a dinâmica da cidade ou sua lógica interna, também tenho duvidas que somente o processo econômico interno da cidade por explica-la.

terça-feira, 10 de julho de 2012

A Cidade e as Serras




Foto: Filomena Chito


É notável a possibilidade de se enxergar a geografia em variadas formas e conteúdos, a literatura que sempre me pareceu uma forma de filosofia, aliás Platão converteu as duas coisas em uma, mas também a literatura é uma forma de visualizar geografias. O livro do grande Eça de Queirós: A cidades e as Serras tem lá sua exploração dicotômica: campo e cidade. Mas também é uma obra que transmite sensações, impressões e pausas para se pensar em como existimos nas geografias, em nossa vitalidade e nossas realizações que se fazem obrigatoriamente no espaço geográfico, viver bem é estar cercado ou imerso em quê? Abaixo segue um trecho de uma reflexão que faço dessa obra importante no contexto do realismo literário de Eça de Queirós.

Mas o encanto não é duradouro, assim a visão burguesa e otimista sobre o progresso humano de Jacinto vai sendo corroído diante da rudeza das operações e ações que se desdobram na metrópole e que são capazes de extrair a vitalidade humana através dos afazeres quase compulsórios que brotam a cada movimento. E assim que Zé Fernandes seu amigo, observa um Jacinto diariamente atolado por obrigações e assistências a varias sociedades e instituições, nas quais mal está profundamente envolvido, mas cujo superficial envolvimento lhe dá a sensação de pertencer a uma élite superior destinada a engrandecer a ideia de uma civilização do progresso, ao mesmo tempo, jactancioso pelas modernidades científicas e mecânicas do seu tempo se vê gradualmente vencido pelas as atribulações que lhe custa essas inovações e de toda parafernália mecânica instalada em sua casa devido rotineiras quebras e manutenções, é nesse cenário que Zé Fernandes observa “com espanto (mesmo com dor, porque sou bom, e sempre me entristece o desmoronar de uma crença) descobri eu, na primeira tarde em que descemos aos boulevards, que o denso formigueiro humano sobre o asfalto, e a torrente sombria dos trens sobre o macadame, afligiam o meu amigo pela brutalidade de sua pressa, do seu egoísmo, e do seu estridor”. 

O Jacinto agora é incomodado pela exaustão da metrópole; com seus congestionamentos, excesso de gentes e as idas e vindas dos constantes compromissos que exercem aquele esgotamento vital que atinge não apenas o Jacinto de Eça, mas milhões de Jacintos que vivem numa metrópole, imersos e agrilhoados pelas demandas e desafios que os sufocam mais que proporcionam deleite e satisfação. Os fluxos, as movimentações, os barulhos dissonantes, o apressamento que não cessa e todo o ritmo da metrópole vai afligindo Jacinto, o estresse da cidade, o sentimento de impotência e angustia diante de um espaço geográfico marcado pela esmagadora densidade humana e material, pelo emaranhado de fluxos e ritmos e pela capacidade massificadora de comportamentos e ações. Desse modo, a cidade-metropole de A Cidades e as Serras ecoa nas cidades-metropoles da atualidade, mas sua visão não é otimista, a cidade não é a geografia dos tempos lentos e tranqüilidade, e a geografia da constante inovação, dos tempos rápidos, das perturbações e não raro do aniquilamento de muitos homens e mulheres.

Quando leio este trecho do artigo que elaborei junto com meu amigo penso que como Eça de Queirós também sou pessimista diante da cidade e sobretudo com fenômeno metropolitano. Só consigo ver a importância da cidade na vida material humana, ainda não encontramos a formula de uma cidade que nos cause ao mesmo tempo bem-estar subjetivo e material.


geografia revelada por um artista fotógrafo





Será possível revelar uma geografia por meio da fotografia? A fotografia em geografia costuma ter um valor de instrumento de apoio a pesquisa, é raro usar esse recurso visual para captar um sentido de subjetividade dos lugares, ou para desconstruir certas imagens condicionadas. José Manuel Ramírez, antropólogo e fotógrafo espanhol realizou uma mostra de fotografias de vários rostos de diferentes etnias da china (han, uigures, mongóis, etc) fotos que ele registrou em sua viagem pelo país. Essa diversidade de rostos era a verdadeira geografia da China. Não aquela geografia padrão na mente dos ocidentais, como um monólito cultural e étnico. A grande maioria das pessoas ainda considera a China como uma cultura altamente coesa e quase homogênea etnicamente. Essa é a imagem que costuma ser mostrada na comunicação de grande massa ou que está naquela imagem vulgar associada ao "perigo amarelo", daquela superpopulação com os mesmos traços físicos, língua e costumes. A fotografia de Ramirez está desconstruindo uma ideia e, porque não dizer uma geografia. Uma reflexão geográfica é isso, constantemente buscar desconstruir falsas imagens sobre o mundo, mostrar as diferenças encobertas pelos discursos ou mesmo da ignorância geográfica. As vezes temos consciência do fato, mas precisamos buscar o choque para não cair na armadilhas da cômoda saturação cultural que vivemos. Essa é talvez uma das virtudes da arte também, nos tirar das imagens cômodas. 

Em geografia montamos mosaicos de fotos, geralmente fotos aéreas para realizar estudos geomorfológicos, detectarem áreas de risco, ou vezes demarcar áreas ambientais. Em quase todo caso, a fotografia está sendo usada como instrumento de garantia na identificação de uma materialidade (rios, construções, relevos, etc.). O que é muito importante cientificamente. No ensino da geografia quase sempre as fotografias tornam-se imagens ilustrativas de conteúdo, meros acessórios em livros didáticos, o que é ao meu ver uma subutilização. Um passo um pouco mais adiante disso é o conteúdo fotográfico da mítica revista National Geographic, nesta caso a fotografia é mais que ilustração ela é usada para revelar uma dimensão da beleza natural ou chocar nossa percepção, seu propósito é ir além da ilustração, ela quer mexer com nossa qualidade perceptiva sobre o mundo em que vivemos.   

Penso que a fotografia carece de mais aprofundamento por parte de nós geógrafos, na direção de provocar outros sentidos sobre o mundo que vemos.